Movimento

Teo ria da computação Matemáticas dos Mundos

        As cientistas da Fundação Museu do Homem Americano entendem que os registros rupestres devem ser analisados em conjunto, e também considerando outros achados arqueológicos da mesma área (objetos como cerâmicas, ornamentos e pedaços de instrumentos). Na impossibilidade de reconstruir as condições da época, essa análise complexa e possibilita projeções de identidades gráficas produzidas por grupos sociais, o que sugere características das unidades culturais que as realizaram (Guidon 2003). Assim, caminham no sentido de caracterizar um coletivo com sua história, sua cultura e seu tempo, levando em conta suas representações em conjuntos de registros sejam eles espirituais, registros de suas técnicas, ou pedaços de suas ferramentas. Niède Guidon, arqueóloga pioneira, responsável pela preservação do tesouro arqueológico do Piauí ressaltou a importância do registro em forma de narrativa: “[a] mais importante característica cultural dos grupos étnicos desta região é ter desenvolvido um sistema de comunicação social através de um registro gráfico de caráter narrativo” (Guidon 2003 p.10). No texto de 1985, onde sintetiza os primeiros dez anos de pesquisa nos sítios arqueológicos do Piauí, Niède Guidon afirma:

        "A ação jamais é colocada em dúvida".
mulher pássaro

A invenção do movimento

Há muitos e muitos anos os instantes se sobrepunham...
       
A partir das análises de Niède Guidon, vemos que o movimento está presente nas expressões dos humanos habitantes pré-históricos do Piauí de duas formas: como processo ou como objeto.
pintura rupestre pintura rupestre
Movimento como narrativas: sequência de ações. Fonte: Prancha 14 de (Guidon 1985)

Processo: o movimento aparece como narrativa. São sequências de figuras, como quadros de um filme, que dão a sensação de movimento. Isto é, a ideia do movimento constrói-se quadro a quadro, passo a passo. São representados, por exemplo, episódios de caça, ritos ou danças, onde se vê documentados rudimentos de uma sequência de ação, como um procedimento, uma descrição de um método. Aqui o foco da representação está no movimento que se apresenta pela ação do ente (animal ou humano).
pintura rupestre
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Movimento como figuras estáticas que sugerem ação. Fonte: Prancha 14 de (Guidon 1985)

Objeto: a ideia do movimento vem de uma figura estática. Vemos nas pranchas reproduzidas no artigo de 1985 uma sugestão de alçar vôo, em aves com asas abertas, uma sugestão de corrida, em animais com pernas esticadas. Neste caso, o movimento em si não é explicitamente representado, mas a ideia de movimento decorre do objeto representado, o ente (animal) que sugere uma ação.

        Embora a tradição Grega a partir de Parmênides (530 a.C a 460 a.C) tenha mostrado o predomínio da estabilidade, imobilidade e imutabilidade, Epicuro (341 a.C a 270 a.C) e Arquimedes (287 a.C a 212 a.C) se destacaram com um especial interesse nos fluidos, propondo uma física-matemática como ciência do movimento, não da estática. Especialmente Arquimedes percebeu com muita clareza a diferença entre uma expressão matemática que deixava evidente o passo a passo (como fazer) e outra, mais abstrata, como se apresentasse um objeto consolidado.
        Na matemática ocidental da era moderna o movimento também aparece nas duas formas que destacamos nas figuras rupestres do Piauí.
        Como processo ou narrativa vemos, desde os egípcios, uma matemática procedimental, ou algoritmica, ou seja, formulada em termos de sequências de ação que indicam o "como fazer". Ao longo dos tempos, as expressões da matemática ocidental foram assumindo outras formas, onde o "passo a passo" para a resolução do problema já não se mostrava tão claramente. Fórmulas, deduções e convenções de cada época foram escondendo as ligações das expressões matemáticas com os problemas que inicialmente lhe serviram de motivação. O século XXI, com os computadores assumindo decididamente o protagonismo nas ciências, a escrita procedimental voltará a disputar o pano de frente enquanto expressão matemática.
        Como objeto, o movimento ocupou a mente dos matemáticos da passagem do século XVII para o XVIII. Interessado no movimento dos corpos celestes, em particular, para determinar a variação com o tempo da posição de um corpo numa trajetória curva (ou seja, sua velocidade) Newton formulou conceitos conceitos como “fluentes” e “fluxões” (Pereira 2017).
        O caderno de Adriano Goulet, aluno da Escola Politécnica de São Paulo, em 1904, mostra como o Brasil do Século XX estudava o movimento a partir da proposta de Newton:
caderno de Adriano Goulet caderno de Adriano Goulet
Caderno de Adriano Goulet. Fonte: Dissertação de mestrado (Oliveira 2004 p121-135)
        “o ponto movendo-se, p. ex., sobre uma linha, a velocidade desse ponto ao descrever o arco, Newton chamou-a de fluxão e o arco elle chamou-o de fluente.” (Oliveira 2004)

Referências

GUIDON, Niède. A arte pré-histórica de São Raimundo No­nato: síntese de dez anos de pesquisa. Clio, série Arqueoló­gica, v.2, p.3-90, 1985.
GUIDON, Niède. Arqueologia da região do Parque Nacional Serra da Capivara - Sudeste do Piauí, Revista ComCiência, 2003. Disponível aqui.
OLIVEIRA, Antônio Sylvio Vieira de. O Ensino de Cálculo Diferencial e Integral na Escola Politécnica de São Paulo, no ano de 1904: uma análise documental. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Dissertação de Mestrado. Rio Claro, 2004. Disponível aqui.
PEREIRA, Vinícius Mendes Couto. O desenvolvimento da Análise no Brasil: um caminho sobre o surgimento de uma comunidade matemática. Tese de Doutorado HCTE, 2017.
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia
UFRJ
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